terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Quando o poeta fala de amor


Nas noites do mais silencioso barulho,
Elas tentam se esconder atrás de seus frágeis sorrisos.
Os olhares ansiosos procuram,
Se procuram,
Aquela que outrora machucou, hoje parece ferida .
O semblante está invariavelmente perdido
E num ato desesperado ela machuca mais um pouco
Machuca a si mesma, faz machucar
Mas ela continua perdidamente vazia
Elas se procuram

Lembra-te desse pseudo-poema? Acho que não, lembrei dele assim que li tuas palavras, a propósito está cada vez mais difícil escrever a tua altura, sabes que sou melhor com as palavras faladas, do que com as escritas, mas vou me arriscando.
Que coragem a tua de abrir aquele baú, aquele que tenho quase certeza de que todos nós temos um guardado em algum canto de nossa humilde morada. Confesso-te que, há dias em que faço força para nem lembrar dele. Lembras, também, de quando estávamos naquela cidade das mangueiras, e eu dei a idéia de nos livrarmos de nossos fantasmas “de amor”, tu me perguntaste, olhando diretamente pra mim, com os olhos um tanto encharcados: Tu realmente quer esquecer? E eu lhe respondi firmemente que sim. Mentira! Mas uma daquelas mentiras que contamos para nós mesmos a fim de que seja mais fácil acreditar, ou seria esquecer?
Eu não quis, não quero e nem posso me livrar de meus fantasmas, de meu baú. Seria como abandonar a mim mesmo, no meio da estrada, sozinho, numa noite eterna e sem estrelas. Seria, talvez, como deixar para trás meus livros de poesia, aqueles que ganhamos de bons amigos. Seria como deixar esquecida, aquela companheira xícara de café. Seria como silenciar a velha, mas única, vitrola que resiste intacta ao tempo. Seria como esquecer as palavras e rasgar poemas.
Estás certo, não podemos abandonar isso, porque isso é parte de nós. Por que isso é amor. Porque amor, mesmo quando fala de desamor, mesmo quando chorado, sofrido e malamado, é amor. É aquele delicado amanhecer, que entra pela janela, afaga teu rosto e te chama a levantar, a viver, e a cantar. E assim, antes que tu saias para começar esse dia, ele te presenteia com um sorriso, que nasce talvez de um beijo, ou de um outro sorriso, ou da contemplação de um terno adormecer, de uma lembrança...
E à tarde, quando se é surpreendido por aquela deliciosa preguiça, eis que antes de se entregar você se aconchega aos macios braços do poema de amor. E é presenteado com um lindo sonho, onde as flores cantam os poemas de esperança, e as sementes que os ouvem se arriscam a deixar sua grossa casca de proteção e, tímidas, mas persistentes elas começam a aparecer e a transformar todo o jardim a seu redor.
Ao acordar, estão todas as suas forças revigoradas, e suas idéias, e seus sonhos. E eis que o espetáculo em que o sol, em lua se transforma, traz consigo as palavras certas, para você terminar aquele lindo poema. Aquele que você cantará mais tarde, enquanto sorve cada parte dele, enquanto toca suavemente suas formas, contemplando sua métrica. Aquele que fará os olhos se cerrarem, diante do inundante êxtase do gozo, ou como meu amigo Poeta diz, o momento em que se sente completo no outro.
Ah meu amigo, guarde mesmo o mar, contemple o mar, sinta o mar. Assim, quando aquele temido e bisbilhoteiro senhor, chamado Tempo, vier lhe aplicar qualquer uma de suas artimanhas, distraía-se com o mar, com o vai e vem de suas ondas, que trazem... que levam... que trazem... que levam... que levam, mas trazem!
Eu acredito em ti quando dizes que escreves só metade do que sentes. Eu diria até que qualquer poeta escreve só metade do que sente, assim como ele mesmo é metade poesia, a outra metade é feita de amor, temperada com uma porção de dor (a gosto), uma colher e meia de esperanças, uma pitada de decepção e tudo vai parar numa fôrma de angústia. Mas tudo não cabe numa fôrma, e assim o que sobra vai para as palavras, ou ele deixa derramar... e inundar o mundo.
E por falar em poeta, não posso deixar de comentar a respeito de uma de suas rimas preferidas: amor e mulher. Tu, meu amigo, bem me mostrastes o quão perfeita é essa rima. Afinal, seja na malícia quase assustadora de quererem ocupar os lugares que não lhes pertencem, seja naquele doce e irrecusável pedido por qualquer coisa, em qualquer lugar, seja pela entrega ilimitada, ou ainda pela manipulação calculada, seja na determinação de conseguir e lutar pelo que querem, ou mesmo no medo, quase irritante, de não seguir em frente para não perder, seja por fim, por despertar, alimentar, ou até matar (mesmo que não morra) esse tal amor, que elas são cúmplices e amantes perfeitas do poema, ou seria do poeta?
Chega de frases desconexas por hoje!Encontre-me na esquina mais próxima, no banco mais vazio, da Praça dos Poetas, na Cidade das Palavras. Tu levas os cigarros, eu o vinho, a noite os poetas, as estrelas os poemas, e vamos sim sustentar esses vícios, principalmente esse vício, chamado amor.

Um grande abraço,

Desconexo.

P.S. Minha oportunidade vêm dos deuses, e a sua?

Um comentário:

  1. Está sendo um privilégio bisbilhotar essa correspondência poética de vocês... É uma responsabilidade falar sobre o amor e no entanto quem não se arrisca? Mas são raros os que vêem esse risco e tu o enxergaste muito bem; tão arriscado quanto senti-lo, quanto admiti-lo parte de si. Uma parte que volta e meia nos faz sofrer, mas que também é o que faz a vida ter sabor. Adorei a forma como isso foi trasmitido pela desconexão do texto =]

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