quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O mundo carnaval e o meu coração samba-canção




Quarta-feira de cinzas. O carnaval vai embora e com ele os últimos suspiros de uma paixão que precisa ser enterrada. Uma paixão que, feito carnaval, enfeitou a minha vida por brevíssimos dias fazendo com que a ilusão das brincadeiras, das canções e das máscaras me fizessem esquecer que, na quarta-feira, não restaria outra coisa senão as cinzas.


A cidade ainda está vazia, o sol tímido e me lembrei de você, amigo. Pergunto-me se você compreenderia que coloquei em jogo o ano inteiro por um carnaval. Ainda me surpreende que mesmo depois de tanto tempo e de tantas coisas que vivemos ainda não pegamos o jeito. Ou você, Poeta, já aprendeu a amar?


Há tantas coisas para lhe contar que nem sei por onde começar. No carnaval passado andava amargurado pela menina da janela, lembra? Depois de alguns arranhões consegui esquecê-la e lembrei-me de mim e das coisas nas quais eu acreditava e havia deixado de lado. Foi um bonito recomeço, e com as minhas próprias pernas.
Reformei a casa e tomei Partido. Virei um ser humano muito mais consciente das lutas que me cercam e de meu papel nelas. Retomei as reuniões, as assembléias e até alguns velhos amigos. Desenterrei meus livros e minhas botas voltaram a se encharcar com o barro das cidadezinhas que voltei a freqüentar. As velhas cidades e as pessoas de verdade voltaram a encher meu coração de alegria.


Faltava ainda um amor e minhas antigas noites de vinho e poesia. Veio o amor: tranqüilo, generoso, companheiro, que preenchia o meu dia com uma felicidade simples. O que mais eu poderia querer? Deveria me bastar achá-la emaranhada nos meus lençóis depois de um exaustivo dia de agitações e panfletagem. Ou seus conselhos e sua paciência com a minha euforia política, como se eu fosse uma criança que recém descobrira um mundo novo. Deveria bastar que ela fosse minha, não importa onde estivesse, ou mesmo com quem, por que nossos corações estavam irremediavelmente unidos pelo liame de um sentimento puro, dos mais raros de se achar. Mas não bastou... e eu me perdi na tempestade.


Dizem que a bruma da noite confunde até o mais esperto dos homens, comigo não foi diferente. Todos os dias eu passava pelo mesmo caminho, todos os dias as mesmas pessoas, mas naquela noite que os meus olhos encontraram com os dela e eu desaprendi o caminho de casa. Dali em diante estar com ela era quase uma necessidade. E voltaram as noites de vinho e poesia.


Eu não fazia outra coisa senão sorver a sua presença como o café que acompanhavam nossas longas conversas, perdendo a noção das horas, o rumo de casa, o ritmo das batidas do meu coração. Seus olhos de tempestade que me tragavam e me faziam esquecer da sua pouca idade, das suas confusões e das minhas próprias. Vivíamos então um conto ainda não escrito, dos amantes irresponsáveis e desmedidos, que apenas perdiam-se um num outro, confundindo suas almas.


A fatalidade do conto de fadas é a realidade que nos espreita página a página e quando terminado o livro, ela se abate sobre nós como um pesado fardo. A realidade precipitou o final de nosso conto e ela se foi como veio, sem olá ou até logo. Me vi devastado, mas desta vez não iria me consumir no egoísmo de meu próprio sofrimento, enquanto a tarefa da construção de um novo mundo me aguarda. É carnaval.
É hora de lutar para que a felicidade do mundo não se reduza a três dias apenas, com a mesma persistência dos foliões mais fieis . De transformar as idéias de uma nova sociedade em marchinha que sobrevive firme e forte, ano após ano, cantada nas ruas de todo os lugares. E que a felicidade e o sorriso não seja a ilusão do “carnaval”, mas a realização da revolução.


E o meu coração? Samba- canção, bonito pelo sentimento que carrega, mas triste pela dor que o assombra.


Saudades,
Desconexo.

domingo, 3 de abril de 2011

Maktub!

"Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. " (Caio F.)

Morar em Itaguaí não foi a decisão mais fácil a ser tomada. Nada é simples quando o destino nos coloca diante de uma escolha e oferece apenas duas opções. Eu escolhi ir embora e deixar pra trás todas as coisas que me assombravam. Todos os medos, vontades, todas as coisas sórdidas e lindas foram deixadas de lado. A única coisa que ficou foi a necessidade de dias melhores, com amor ou não.
A verdade, Desconexo, é que esse Poeta havia deixado de lado até a poesia. O único amor havia sido deixado de lado em prol de farsas, de bocas sedutoramente mentirosas. Nada, além disso.
Disseram-me uma vez que não existe destino e que eu jamais poderia atribuir grandes significados a pequenos eventos. Hoje eu acredito que isso era simples devaneio de um coração seco, ou cheio de desamor.
O que eu sei hoje é o que Ana me ensina a pensar.
Foi dentro de uma livraria que eu a encontrei. Ana era uma velha conhecida muito ligada ao mundo das letras que há muito havia se tornado distante. Ana foi uma das paixões que moveram este poeta, uma das que encheram os meus olhos de vida; olhos que nunca esqueceram, e não esquecerão, a borboleta desenhada a ferro e fogo no meio das costas dela.
Foi ali, na livraria, que eu descobri que meu coração ainda tinha vida e, depois de muito tempo, ele havia dado saltos dentro do peito. Depois de uma aproximação, um café e algumas músicas, eu sentia Ana morando novamente dentro de mim. Os olhos dela tinham fome e brilhavam, entregando que ela também queria a minha vida na dela, mesmo depois de tanto tempo.
Ana era casada, mas eu não poderia deixá-la passar novamente e me prostrei amante aos seus pés. Pés que não queriam, mas pisavam e continuariam pisando. Nada que uma tarde ao seu lado não pague e que as tantas poesias que passam dos olhos dela para os meus não curem.

Desconexo, ainda espero tua visita e desculpa a demora desse sempre atrasado poeta.

Do teu amigo,

O Poeta.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Desconexo



A cena foi um tanto incomum: eu estava na varanda, era madrugada e fazia um silêncio ensurdecedor. No céu havia tantas estrelas quanto nos céus das cidadezinhas do interior e eu senti uma vontade súbita de desaparecer, de largar tudo para trás e partir sem deixar endereço. Ao menos um dia na vida precisamos dar vazão aos nossos sentimentos ensandecidos... antes porém, algumas palavras de despedida.

Quando eu nasci havia tantos sonhos em mim, como estrelas no céu. Havia tanto amor que eu o aspirava sem perceber, mas tanto amor que eu mal tocava os pés no chão. E uma empatia tão grande, mas tão grande, que caberia o mundo inteiro, onde todas as misérias e desassossegos se desvaneciam como pó. Eu nasci Desconexo.

E sem qualquer nexo eu fui arremessado nesse mundo, mas de uma maneira tão abrupta e lancinante que me entortei na queda. Foi quando alguns sonhos se perderam, o amor se machucou e a empatia se esvaiu. Mas era só uma queda, um joelho machucado, uma lição, um poema. Eu continuei Poeta.

Quando Poeta eu aprendi a chorar, a lavar a alma e expurgar todas as coisas ruins que me acometiam no meio do caminho. Aprendi a cantar e exteriorizar sentimentos e assim, ao mesmo tempo que eles me tocavam, podiam ser ouvidos pelo mundo inteiro. Aprendi a me importar, a me incomodar e a gritar bem alto, porque quando dói de verdade é impossível sufocar e lá vai garganta a fora. Aprendi a amar, a fechar os olhos, a me entregar... foi quando, não sei de onde, antes que eu pudesse desviar, me atingiram em cheio. Pelo chão escorria tanto sentimento que ninguém dava conta de juntar... Eu morri Poeta Desconexo.

Em meio a tanta confusão e sujeira o meu espectro me olhava com pena, com nojo e desprezo. Eu inerte, lhe pedia ajuda com o olhar, enquanto os sentimentos eram confundidos, pisados, juntados como caco de vidro e atirados ao lixo. E aquela sombra que se parecia muito comigo, que há alguns segundos fazia parte de mim, me deu as costas e seguiu. Segui como Pilantra.

E o Pilantra, de tão vazio, ia juntando coisas que achava pelo caminho sem sequer diferenciá-las, porque qualquer coisa lhe servia. E ele acumulou tanta coisa, tanta coisa que nem conhecia, que abominava, regurgitava e depois engolia de novo. E isso o fez tão cheio, tão duro, tão frio que ele já não sonhava, não se importava, não esperava... Mas como nada daquilo era dele, quando se olhava no espelho, ou quando olhava para si mesmo não enxergava nada... porque já não havia nada, pois tudo se precipitara naquele dia em que eu havia abandonado a mim mesmo e as todas as coisas boas que um dia eu havia cultivado. Sem perceber o Pilantra voltou para o mesmo lugar onde jazia o Poeta, observado de perto pelo Desconexo e por um outro senhor que nunca haviam visto, um completo desconhecido. Mas mesmo o Desconhecido me parecia familiar...

E agora eu vou ser o Nada, porque esses senhores não conseguem chegar a um acordo e eu estou tão cansado, tão cansado... Devagar eu vou me desvanecendo pela madrugada e antes que a pena pouse nesta mesa, solitária, como se nunca ninguém a tivesse carregado, eu te peço, amigo, eu te rogo como uma última prece: não percas a esperança jamais...

domingo, 28 de novembro de 2010

Não existe Amor, só vontade.

Tenho andado muito. Às vezes eu sei para onde, outras eu simplesmente caminho sem olhar as luzes ao final de cada trilha. Não sei se isso é bom, mas tem preservado boa parte do que sobrou dessas rupturas amorosas que nunca levam apenas o que trazem. A grande novidade é que eu fiz diferente, resolvi seguir o conselho que a tua Marcela mandou para mim na tua última carta:
“Marcela manda que lhe aconselhe, manda dizer que se nada der certo, tu jogues esse tal baú ao mar e se junte a nós, nessa brincadeira de vazios”
Mudei de cidade, troquei os móveis, tirei a barba, cortei os cabelos, troquei as roupas, as leituras, a marca do cigarro e abri as portas pro vazio entrar e dividir comigo algumas taças de vinho e alguns versos de Álvares de Campos. A última coisa, no canto escuro do quarto mais bagunçado, aquele baú... eu sabia que ele precisava de um fim e imediato; mas eu sequer conseguia olhá-lo sem que a ideia de que o amor realmente criou-se e perdeu-se nos contos da carochinha viesse à tona. O Amor talvez seja isso mesmo: historinhas contadas antes de dormir, mas pouco importa agora, eu sempre gostei mesmo de boas histórias antes de ir pra cama.

Passei por muitas cidades, por muitos rios, córregos, riachos, lagoas. Foi em uma dessas caminhadas que, procurando o destino certo para o meu baú, encontrei um rio charmoso chamado Edaduas que tem esse nome porque tudo que se joga lá nunca mais incomoda, não é à toa que se chama Saudade ao contrário, pois nada do que fica ali desperta saudade em quem jogou. Foi o fim que ele precisava. E, tal qual o pequeno príncipe, sentei na relva e chorei...

Hoje moro em uma vila chamada Itaguaí, é tranquila e pequena e emana poesia. Na única praça, uma escultura de Simão Bacamarte o médico que decretou que toda a vila era louca e ele era o único são. Mas todo mundo sabe que o único louco era o próprio Dr. Simão que se trancou no hospício da cidade – criado por ele – e lá mesmo morreu. Não tem barbeiro, não tem soldados, mas tem uma bela padaria, uma livraria que também é café e muitos casais que namoram na praça. Uma vila de muitas histórias/estórias que vou contar aos poucos.
Não tenho mais o baú, mas ainda tenho metáforas. Falta amor, só há a linguagem – que talvez seja o que temos de mais valioso. A verdade é que, por esses tempos, não existe amor, só vontade.

Desconexo, espero você em uma visita. Desculpe a demora, estava me adaptando a nova vida.

Abraços do seu amigo
Poeta.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Brincando de ser vazio



Caro amigo,

se discordastes de meus novos métodos com o amor, reprovarás ainda mais a vida mundana a que venho me entregando, tão vazia que se eu gritar, fará eco. Eco, bem dentro de mim e de todo esse vazio que agora sou eu.

Tudo começou quando conheci Marcela, àquela garota conseguiu de alguma forma inexplicável sufocar os próprios sentimentos a ponto de quase não senti-los. Primeiro tive pena de Marcela e toda sua cafajestagem. Tive mais pena ainda das suas vítimas, as vítimas que ela não dá esperança, mas que mesmo assim se decepcionam diante do seu espírito “prático” de não querer mais nada das mulheres, senão sexo e de preferência do bom.

Marcela, como tu e a maioria de nossos amigos, é fissurada nesse tal Caio Fernando Abreu, mas acho que sua leitura é um tanto limitada aos capítulos fatalistas, realistas, trágicos ou qualquer coisa nesse sentido. Essa mulher tem um humor negro irresistível e adora ouvir blues, enquanto traga seus inseparáveis cigarros e se embebeda com cervejas não tão geladas. Mas o mais atraente em Marcela, meu amigo, é a forma como ela pensa em todas as coisas do mundo, para não pensar naquilo que a incomoda. Assim, no fim do expediente de um dia sacana de trabalho, eu sento no sofá da sala dela, afrouxando a gravata e ouvindo ela falar em trânsito, big bang, política e concatenando tudo isso como se fosse uma coisa só e é, então, que a acho incrivelmente irresistível. Pena que ela não gosta de homem e isso é muito mais uma qualidade do que qualquer outra coisa.

Então, meu querido, perdoe a frieza com que lhe escrevo, com ásperas palavras de indiferença, mas a vibe é outra. Tenho aprendido com Marcela de que de nada adianta ficar chorando pelos cantos por amores infalíveis que sucumbiram diante da primeira impossibilidade, nem se apegar a cartas antigas – a propósito, queimei metade delas e a outra metade está tão bem guardada que por hora tenho preguiça de procurá-las – ou lembranças, porque enquanto choramingamos o mundo gira e as coisas acontecem sem que estejamos lá para presenciá-las...

Enquanto lhe escrevo essa carta – perdoe as folhas de guardanapo – Marcela manda que lhe aconselhe, manda dizer que se nada der certo, tu jogues esse tal baú ao mar e se junte a nós, nessa brincadeira de vazios, porque o mundo está cheio de pessoas superficiais o suficiente para apenas quererem satisfazer nossa libido e se esquecerem de nós, como nós certamente as esqueceremos depois que a ardência passar. Marcela ri e pergunta se homem têm ardência e enquanto ela ri eu tenho pena dela, mais uma vez, tentando ser forte em meio a tempestade. Então não fique triste comigo, ou com ela, porque cafajestagem, meu amigo, é apenas uma capa que esconde fragilidade, desesperança e medo, e é isso mesmo, cada um se defende como pode.

Mas conselhos marcelísticos a parte, enquanto lia sua última carta aconteceu o mesmo de sempre, me vi em suas palavras. Então, mesmo que estejamos em sintonias diferentes, espero que consigas me enxergar em toda essa sujeira, pois é como eu disse, cada um se defende como pode e lembranças, quando alimentadas, se tornam dragões que a cada dia nos arrancam uma parte do corpo e temos que nos acostumar a viver sem ela. Estou apenas matando esse tal dragão, antes que ele me devore.

Hoje quem vos fala é aquele Desconexo bem vestido que antes de sair de casa sempre olha em direção a estante empoeirada onde jaz o poeta. Aquele filho da puta não me entende e é por isso que vivemos assim agora, separados. Eu tenho inveja dele e ele pena de mim, do mesmo modo que tenho pena de Marcela. E assim vamos vivendo, sem a melhor parte de cada um de nós.

Mas acontece que no fim da noite, ou melhor, no começo do dia, quando o bar está vazio e mais escuro que o normal, Marcela no banheiro ou num motel barato comendo um mulher sem nome, que ela jamais olhará nos olhos – um dia desses eu te conto essa teoria dela – e eu aqui sozinho bebendo cachaça pura enquanto fumo minha quinta carteira de cigarro esse tal Poeta Desconexo senta aqui a meu lado, bebe de minha bebida, fuma de meus cigarros apreciando minha teoria de que fumando aos pouquinhos se tem mais chance de morrer de câncer do que fumar sem parar, porque pessoas assim ainda morrem de velhice contrariando as estatísticas.

Ele bebe e fuma em silêncio. Nós bebemos e fumamos em silêncio. Enquanto eu penso em uma definição para vazio, ausência e falta o desgraçado me olha com aquela expressão de “sou bem mais que você” e diz, como se falasse a uma criança: um dia você se cansa de tudo isso.

Saudações,

do puto Desconexo.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Sorriso-Lágrima

“Só que os escritores são seres muito cruéis,
estão sempre matando a vida à procura de histórias.
Você me ama pelo que me mata.
E se apunhalo é porque é para você, para você que escrevo
— e não entende nada.” (Caio Fernando Abreu)

Os olhos ainda estavam fechados quando começaram a chegar as primeiras palavras. Vinham assim: uma atrás da outra. Faz um bom tempo que isso não acontece. É estranho. Assim como escrever pra você uma carta quando o amor está bem longe daqui.

O que eu queria agora era ler um Desconexo amante e escrever como um Poeta no cio. Eu fiquei feliz em saber que a minha última carta te passou esperança, porque era realmente o que eu estava sentindo. Ando tão sem chão, tão sem nada que me fugiram até os ideais. Agora tenho raiva até dos ditos populares, imagine você. Oras, se a esperança é a última que morre, o que pode um poeta como eu estar sentindo? Sabe-se lá o que vem depois dela, se vem. É qualquer coisa como saudade, mas que arde como ácido em ferida aberta. Apesar de tudo, estamos aqui, firmes, tentando.

Lembro que a última vez que te vi, discordei um pouco dos teus novos métodos sobre o amor, o que é estranho, afinal nós sempre estivemos em grande sintonia. Com perfis diferentes, claro: você um poeta Desconexo que escreveu sua história em meio a lutas e sonhos; eu, um poeta amante que escreveu sua história baseada em um baú. É, viver em torno de um baú foi o que a vida me reservou.

E o baú é nada mais que o retrato vivo dela que partiu.
Quando ela foi embora, deixou o baú vazio e toda a minha inspiração foi junto. Na noite em que ela se foi, eu dei um sorriso. Um sorriso-lágrima. Ela pegou as coisas e foi embora. Deixando a minha alma nua e sorrindo em sangue.

O meu sorriso era pra que ela entendesse uma coisa: eu não queria e nem iria pedir que ela ficasse – eu já havia construído tudo, até castelos com fadas, cores e reis – não iria impedir a partida. Quis dizer a ela que eu queria que ela vivesse e amasse muito, mesmo sabendo que ela descobriria que fomos uma farsa. Que eu fui a maior farsa. Eu sabia que ela descobriria no colo de outros que o carinho que eu fiz, outros fazem melhor. E que o frio na barriga apareceria até com o menos interessante. Eu não sou a melhor pessoa. Eu era o até então. Até então, eu fui. Agora, e a partir daquele momento, não haveria mais nada. Não havia sequer complemento ou orações intercaladas. Mas caladas, quem sabe.

Nós é que inventamos essa coisa de. Ah, não sei mesmo se nós fomos importantes pra nós. Eu projetei nela a vontade de ter um amor sem limites. A necessidade de inspiração. E ela projetou em mim a fuga, a “liberdade”, a possibilidade de revolta. Projetos mal acabados. Às vezes eu só queria dizer que só precisávamos do óbvio. Mas ela teimou, teimou e teima para descobrir os sentidos escondidos nas mais loucas metáforas.

Ela ficou guardada. Irão encontrá-la em mim quando os meus órgãos e membros, enfim, pararem. Carregarei por toda a vida, eu acho. E lá onde ela estará cravada, procurarão sentir meu coração que não mais responderá. Mas enquanto ele tiver vida, sentirá essas marcas onde nada apagará.

Mas ontem, em meio a correrias e ponteiros loucos, redescobri que a esperança está arrumando as malas para voltar para casa. Coisas que ficam para a próxima carta, amigo Desconexo.

Abraços cheios de saudade.

Do teu amigo,
o Poeta.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Um tal Desconexo





É madrugada nessa terra vazia onde nem a chuva sabe se cai ou não. Há tempos venho pensando em lhe escrever, mas quase sempre o arranjo das palavras não me permitia passar do primeiro parágrafo. Sinto saudades de escrever, mas não sei mais como fazer. Sinto saudades de amar, mas não sei mais como sentir. Tenho saudade de mim, mas não sei mais quem sou.

Tenho me sentido um estranho no ninho por quase todos os cantos que vago. Nenhum canto mais, reconheço como meu. Nenhum caderno tem aquela caligrafia desajeitada que denominava minha. Não há cheiro no travesseiro ou lençol, então nem eu, nem ninguém tem deitado por ali. Nem meus amigos tenho os reconhecido, como meus amigos, e é por isso que todo fim de tarde sou invadido por uma saudade súbita de um Poeta que mesmo distante, me compreendia. Sinceramente, não sei se é mais saudades suas, ou saudades de mim mesmo.
Confesso que tua ultima carta me encheu de esperança, pelo menos um de nós havia encontrado a felicidade, afinal. Mas esperança foi se esvaindo aos poucos com esparsas notícias que tinha a seu respeito.
Quanto a mim, me sinto tão perdido entre passado e presente, quem nem em sonho tenho vislumbrado qualquer futuro. Quando olho para o passado penso no Desconexo como um Poeta sonhador, apaixonado, revolucionário. Aquele que não tinha medo de amar e entregar-se a esse amor. Que não tinha medo de sonhar e lutar com todas as armas para que aquele sonho se tornasse realidade. Que construía com palavras e gestos, todos os dias, um mundo melhor. Aquele que se arriscava na linha de frente, de peito aberto, amando cada vez mais, segundo a segundo.
O presente me mostra um Desconexo cético, perdido, quase conformado. Hoje sou uma sombra de mim mesmo. Um medroso contido, que prefere ficar em casa, dormir durante todo o dia e esperar a morte chegar. Um tal que nem mais sonha com medo de se decepcionar, que não se arrisca e que por isso não tem mais nada do que se glorificar. Não há uma só coisa de pé. Um só galho no qual eu possa me agarrar. Não há amor, meu caro, então me responda: como pode um homem, ainda viver, sem amor?

Na incessante busca por mim mesmo acabei cedendo a torturante vontade de reler cartas antigas. Eu precisava de respostas, afinal não há mulher nenhuma que me interesse por mais de uma noite. E existe um segredo, que guardo a sete chaves, que jamais será nominado por amor porque no final das contas não há amor algum, apenas minha mente me pregando peças. Com eu disse eu precisava de respostas e deuses... foram duas criaturas que se amaram tanto...
Ler essas cartas antigas é como ler uma história de amor de duas criaturas iluminadas, que tiveram a sorte de se encontrar e se amarem incondicionalmente, mas no fim das contas é apenas uma história que volta para o armário. Então ali, pegando poeira, entre uma infinidade de histórias inventadas está o seu amigo, sim, o Desconexo. O pseudo-poeta revolucionário e apaixonado que amanhecia o dia escrevendo ao som de “Samba e amor” do Chico Buarque, ou que simplesmente se rendia ao chamado da mulher amada e se aconchegava entre suas pernas enquanto o mundo desabava do lado de fora . Aquele ser que não vivia um dia de cada vez, mas sorvia todos de uma vez, num suspiro só.
Veja bem, sou agora apenas uma história que jaz empoeirada na ultima estante. E agora mesmo há um camarada que veste seu terno e me olha como se lembrasse de algo, penso por meio segundo que ele se lembrou de mim, de me levar no bolso, mas não, ele lembra de levar um manual, um desses livros enormes que não dizem nada. Aquele senhor tem o meu rosto, tem até o meu sorriso torto, mas os olhos meu caro, estão tão vazios que qualquer um que mergulhar ali nada encontrará.
E depois que ele desliga a luz e bate a porta sobra o velho poeta empoeirado na estante, escrevendo para um amigo distante, vislumbrando uma fresta de esperança. Sim, é uma fresta de esperança que se espreita pela janela trazendo cheiro de café, terra molhada, tinteiro e folhas amontoadas.

Há sempre um vinho nos esperando, numa estante empoeirada.

Do seu saudoso amigo ainda Desconexo.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A terceira estrofe.

Uma breve apresentação para quem acabou de reviver:

Oi, meu nome é Poeta, tenho mais de duas décadas de vida, sou uma constante vítima do Amor e luto, veemente, para aprender a lidar com ele. Amar pra mim sempre foi sinônimo de loucura. E só. E um monte de outras coisas também!
Sou um amante das mulheres, adoro todas: sem nome, endereço ou telefone. Mentira: algumas me fascinam mais e têm nome, endereço e telefone. Mentira de novo: apenas uma tem me fascinado!
Gosto muito da madrugada, não gosto muito do dia e suas obrigações e chateações. Eu gosto de calmaria, cigarro e livros. Livros me fascinam tanto quanto mulheres! Quase sempre carrego um por baixo do braço, aliás, eu sempre digo é que estou por baixo dos braços deles. Entendem agora a comparação com as mulheres? Sou um sempre apaixonado. Amo, decreto felicidade sem fim e encaro a morte quando são amores efêmeros e vis, o que eu nunca espero.
Sou amigo do barbeiro há alguns anos e freqüento a barbearia para falar desses amores vis e daqueles que me surpreendem pela força. O assunto sempre é Amor. Sou amigo do Desconexo porque ele, como eu, entende o valor da palavra. E também gosta muito de falar sobre o tal do Amor.
Por enquanto é só.

Amigo Desconexo, um pedaço de dentro deste teu amigo, que era meio arrogante e tinha mania de nomear-se ‘inteiro’, quis ser mais forte que todo o resto e decretou morte substancial de mim.
Nada que o vento já não tenha levado. Aliás, eis aqui um ser que valoriza a vida após o fim do Amor. Enquanto posso, amarei dez mil vezes mais. Eu digo sempre que é muito sortuda aquela que me tem depois de uma morte. Revivo doando Amor aos ventos.
Eu não acho que as fotografias se desgastam, elas continuam lá com os mesmos sorrisos, os mesmos laços invisíveis. O que se desgastam são as pessoas. A ilusão nos faz viver o eterno-perecível. Eu estive vítima de um desgaste que não me tomou, apenas me empurrou para onde eu pensei que não mais voltaria. Trágica ilusão dos apaixonados: volto a cada dia.
O meu amigo, o barbeiro, reabriu a barbearia e voltou a trabalhar como há muito não fazia. Fui vê-lo, levei alguns cigarros para que ele me recebesse com sorrisos largos. Não que ele não o faça, mas o barbeiro também ensaiou a morte. E para falar da morte nós brindamos com fumaça.
Mas o Amor não é esse rio de coisas boas não, ele é traiçoeiro sim e espaçoso como ninguém. Deixaste-o entrar? Ha, podes esperar: ele vai tomar a tua cerveja, fumar o teu cigarro, ler as tuas poesias em voz alta, deitar na tua cama e, enfim, assim que ele cansar, carregará com ele tudo que ele pode levar.
E tu? Ficarás triste com os pedaços que ele deixará em cada canto: um cabelo no travesseiro, um cheiro na toalha de banho, um caderno teu que ele resolveu tirar do baú pra riscar, um prato sujo que tu terás que lavar e boas e lindas saudades pra que tu chores lembrando cada peripécia que ele causou enquanto te ocupava o coração.

Que saia o Amor, reine a amada:


Certo dia, cheguei a minha casa - tinha saído para comprar mantimentos (cadernos, vinhos e cigarro) - e, assim que entrei, senti um cheiro que já não me vinha há algum tempo. Como tu sabes, perfumes são belas armas. Sábias as mulheres que escolhem bem seus perfumes. Elas podem ser esquecidas, eles não. Eu te digo: sabes como tu podes conhecer uma mulher? Pergunta o nome do perfume dela, se ela não disser, descobre.
Esta que me vinha um dia havia usado Y e ela era, realmente, uma incógnita. Hoje eu descubro em seus poros um perfume diferente, americanizado, como ela, mas forte e que soa decidido. O “insensatez” havia me machucado muito. Adivinha o porquê, amigo? Insensato perfume, insensata dona.
Seguindo: sentei na poltrona para tentar arrancar do vento o máximo que eu poderia daquele cheiro. Quando olhei para trás, o BAÚ estava aberto. O cheiro, as coisas, as roupas, as lembranças daquela mulher: tudo estava espalhado por cada canto daquela casa. E ela... Ah! Ela lá, deitada, nua, na minha cama. A mala em um canto e dentro dela nada além de saudade. Isso deixou a mala pesada. Assim ela tinha voltado ao nosso mundo. E eu, sentado diante do baú, só conseguia ver cada curva que a vida tratara de lhe esculpir. E quanto sentimento ainda havia! É assim que eu volto e começo a escrever a terceira estrofe!
Poetas morrem na segunda estrofe para reviverem amantes e amados na terceira.

Abraços, Desconexo.
Espero notícias suas.

Do teu amigo apaixonado, meio pilantra, meio Poeta.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Porque poeta não morre na segunda estofre



Amigo Poeta,


Imaginei-me lendo uma coisa dessas. Imaginei como num sonho, eu lendo por tabela, no jornal do companheiro do lado, a tua morte tão trágica como inesperada, mas ainda assim, digna de um poeta. No sonho, eu primeiro não acreditaria, pediria o jornal para ler com mais calma, para confirmar endereço, tinteiro, a garrafa de vinho, o cinzeiro. Tudo fora do lugar. E tudo teu.

Eu me imagino sentando na calçada, lamentando que há muito não o via, não bebíamos e falávamos da vida e do amor, ou da morte e do desassossego. Iria pensar tristemente que não fui ao show como havia lhe prometido, que não tinha notícias tuas e mal as procurava saber, apenas tendo breves relatos de nossos amigos em comum. Mas a verdade é que eu pensava que estavas tão bem em tua felicidade de fotografia, mas eu devia saber que fotografias sempre se desgastam. Mas eu pensava que tu estavas tão bem em tua felicidade de novela, mas eu devia saber que novelas são de mentira.

Então eu pensaria que se fosse à outra época eu ira beber no teu túmulo, iria recitar poesia até amanhecer. Mas poeta, vá lá, como podes morrer na segunda estrofe?

Faça do corte profundo um caminho, que depois de costurado, ponto a ponto, cicatriza numa estrada torta, que mesmo tênue e sensível você terá como referência de por onde passou e para onde irá.

E do sangue que se esvaiu, manchando as folhas de papel, faça tinta. Não lhe direi que você não há de ficar pálido, ficará. Sem cor alguma e quase tão vazio quanto a ultima garrafa de vinho que esvaziou. Mas do sangue, das lágrimas e da dor, redescubra a cor, seus novos tons e combinações.

Porque poeta não morre, senão para reviver, te levantas daí e me contas as novas, como vai teu amigo barbeiro, como sopra os ventos por essas bandas.


Eu estive pensando: amor é bicho traiçoeiro. Quando ele bate na porta, às vezes fingimos não ouvir, e então, ele entra quieto. Fica ali meio de canto e muitos de nós persistentemente fingimos não vê-lo, como se ele nem estivesse por ali. Com o tempo o amor sai do canto, abre uma janela e deixa entrar uma brisa fresca, daquelas de fim de tarde, que só com muita força podemos fingir não sentir. E depois de mais um tempo, lá está o amor, no meio da sala, mudando os móveis de lugar, cantarolando uma música, pendurando cortinas nas janelas. E de imperceptível, ele se torna imprescindível.


Agora eu te pergunto: o que fazer quando a janela não abre e a brisa não entra, a cortina não tremula e os móveis, ah os móveis! O que fazer quando eles ficam a te fitar com pena?

Um forte abraço,


Desconexo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O poeta está morto.

Eu sou fraco, impotente e covarde. Ridiculamente covarde por não dar liberdade a quem precisa dela, por ter medo de sofrer de novo, por puro egoísmo de ter sempre perto.
Ontem eu desejei ver a minha própria morte, tal qual Brás Cubas, e ler a notícia em um jornalzinho largado em um canto qualquer:


O Poeta está morto, foi encontrado sem vida em seu próprio casulo ideal. A causa da morte teria sido um profundo corte que dilacerou boa parte do fraco, porém resistente, coração. O corte foi feito por uma única palavra: "Preciso".



(Escrito há alguns meses, mas também faz sentido hoje.)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Um sorriso de esperança




Amigo,

Se é ridículo eu não sei, mas que é irresistível, isso não podemos negar. Amar é como aquelas coisas que por mais que todos os alertas pisquem tentando fazer com que a gente siga na outra direção, nos deixamos vagarosamente escorregar e sermos tragados para o bem, ou para o mal. É como se empanturrar de chocolate em uma madrugada da semana que você decidiu entrar de regime. Como tirar folga no meio do dia mais cheio, simplesmente porque você precisa sentar no banco de uma praça e sentir o vento tocando seu rosto. Como tomar banho de chuva correndo o risco de ficar resfriado. Ou se sujar brincando com o cachorro, bem antes de sair.

Mas é isso, o que seria de nós sem todas aquelas coisas que dissestes? Somos ridículos e idealistas porque em um segundo, em um olhar e um sorriso podemos ver o mundo transbordando de felicidade, para no segundo seguinte algo tentar nos mostrar a realidade, mas em vez de ficarmos taciturnos e concordarmos que nada vai mudar, temos dentro de nós, bem guardado lá no fundo uma faísca de esperança. São assim que desenhos de casa de papel servem para todas as crianças de rua morar.

Bobos e palhaços por cruzar meio mundo pra achar o bichinho que ela tanto quer, ou a rainha vermelha do jogo de baralho, ou até pedir atrapalhado o hambúrguer de nome mais estranho e mais caro da loja só para a ver sorrindo com os olhos. E é tão pequeno aquele instante em que ela dorme no teu ombro e tu te permites ser um bobo sonhador, com uma leve e fugaz sensação de que as coisas realmente podem ser diferentes, que tudo que se quer é que ele dure por toda a eternidade. Um segundo que dura por toda eternidade, e é assim que nasce e persiste o “pra sempre”, meu querido amigo.

E como tu bem dissestes “Amar é perder os rumos, é perder as canetas”. É tentar achar a palavra certa para dizer tudo aquilo e logo depois concordar que todas elas são insuficientes para o que só se pode sentir. E é claro que não se desaprende isso. Nós tropeçamos e até nos emburramos, e por um tempo decidimos que já chega. Mas é como começar a andar de bicicleta, você fica encarando aquela coisa que você tanto sonhou, tanto quis e que agora te faz cair, te arranhou o joelho e até te fez passar vergonha diante de todos, encara e decide recomeçar, persistente. E quando se desce a ladeira, com o vento contra o rosto, sem cair, mas ainda com um medo enorme de quebrar a cara, ai meu amigo, se aprende a amar, e como andar de bicicleta... sim, aquele velho clichê.

No dia em que tu se permitiu concordar comigo, eu me permiti sorrir com esperança para esse elixir que irresistivelmente bebemos e torcemos para não morrer, apenas pelo gosto bom que ele tem. Espero que isso seja algo perto de um “sorriso [com] aquela esperança de amor gratuito e simples pra seguir uma longa estrada”... Ainda continuo vivo, sorvendo aos poucos esse tal elixir, com um cuidado nada planejado, um dia após o outro e apenas isso...


Um grande abraço, do desequilibrado,

Desconexo.

sábado, 18 de julho de 2009

Amar é ridículo (ou não).

Agora podemos dizer que a comunicação voltou. Eu sinto tantas saudades suas que às vezes me pego pensando que sou dependente das tuas notícias. Talvez seja porque elas fazem brotar em mim essa vontade de estar conectado; de transcrever paisagens e/ou sentimentos.
O tempo realmente anda estagnado: é sempre o mesmo horário e o mesmo clima. Mas não podemos esquecer que seis da tarde é final do dia de estudo, de trabalho e é o melhor momento para encontrar amigos, curtir escadarias e conversar até o último ônibus permitir ou até a última carona sentir-se confortável.
Enfim, entre outras coisas, hoje acordei com vontade de concordar um pouco contigo e de forma extremista, dizer: Amar é ridículo!
O amor é o “ridículo da vida”, diria Cazuza. “O amor nos torna patéticos”, diria Jabor.
Todo processo de entrega torna-se, curiosamente, vagaroso e leve. Ouvir música é transportar o outro pra uma visão 3D que a gente quer tocar, mas só admira bestificado, olhando o nada.
É ridículo imaginar que o mundo a nossa volta torna-se inútil, porque o amor nos “corta os fios de realidade”, diria Clarice. Esperar horas diante do telefone que não toca e, esperando, fazer mantra pro tempo passar mais rápido enquanto o bom dia não chega. Amar é perder os rumos, é perder as canetas. Mas, olha só, amigo, nós não desaprendemos a amar, esse processo é totalmente intrínseco. No máximo a gente dá um tempo pra que o amor durma e acorde refeito, maduro e cheio de vontades.
Outra coisa que venho aprendendo há algum tempo: lembranças são traiçoeiras. Tomemos cuidado com elas e com falsas sensações nostálgicas. O ideal é equilibrar vontades. Suspirar lembranças do que foi há minutos atrás.
Mas para aquele que deseja realismo, digo: Previna-se realmente! Paixão e Amor são para os fracos e idealistas, indiscutivelmente.
Os fortes ficam sozinhos a cada nova esquina, são pesados, carregam cadernos e canetas, escrevem muito e vivem amores efêmeros.

Afinal, para que serve o amor?
Só para multiplicar o número de bobos, patéticos, ridículos.

Porém, para aqueles que desejam complementaridade, sorrisos matinais que transcendem luz, “eu te amo” dito bem cedinho ou tarde, antes de dormir; abraços reais durante o sono, poesias ditas bem de pertinho, saudade antecipada que massacra o peito, sentimento de “querer bem” e ser desejado. Para aqueles que querem leveza eu digo mais: Renda-se enquanto puder ouvir o vento, enquanto puder sentir (ou fazer) uma canção.
O amor continua sendo ridículo. E nós, poetas, mais ridículos ainda porque transformamos o dito cujo em palavras. Porque desdenhamos daquilo que nos alimenta e porque também somos Fracos.
A ti, amigo, desejo força. Quero ver no teu sorriso aquela esperança de amor gratuito e simples pra seguir uma longa estrada (sem esquinas – elas trazem amores perigosos e ilusórios).


Estrada por estrada, continuo viajando e, ridiculamente, amando.

Abraços do teu fraco amigo Poeta.

terça-feira, 14 de julho de 2009

As faces do poeta


Estimado amigo Poeta,


Não saberia precisar as horas porque em tempo nublado sempre parece seis da tarde. Mas diferentemente do tempo a vida por aqui está com tempo tão bom e tão leve que até parece primavera. Foi com grande felicidade que recebi tuas notícias e vi se desenhar todo esse espetáculo, onde horas me senti como ator, horas como autor... mas ninguém escreve tão bem a meu respeito, como tu, somos parecidos, afinal...
As chuvas atrasaram a revolução por mais algum tempo e a espera, aqui do outro lado do rio, me traz todas as reflexões do mundo...

[...]

Um amargo poeta

Estimado Poeta,
de tantas maneiras já imaginei como lhe escrever... Mas começo por dizer que devo ter desaprendido isso, assim como desaprendi compaixão, compromisso, vontade... Amor...
As chuvas interromperam a revolução por algum tempo... Do outro lado da estrada avalio que não consigo mais enxergar as qualidades de um revolucionário em mim, tampouco de um poeta... Estou tão vazio hoje que se eu gritar, vou ouvir o eco dentro de mim...
Não existe mais nada em que ter esperanças ou sonhar? Acontece que as palavras precisam ser sentidas para serem escritas e eu não sei até que ponto ainda sinto algo, senão esse desagrado por todas as coisas, como se nada do que coloco tinta fizesse algum sentido... As coisas para mim tem sido como minha letra para os outros, em que se desiste antes do segundo parágrafo.
A felicidade que me acenava horizonte acima, parece que desapareceu por lá mesmo... Pelo menos desse outro lado da estrada eu não consigo observá-la... Não mais...
As lembranças voltaram a me perseguir como os fantasmas de minha sombria consciência... Quero me apegar a elas como uma desculpa para voltar a ter algo que sentir, mesmo que seja mágoa ou tristeza... E estou quase acreditando que sentir isso é melhor do que não sentir nada... É melhor do que contemplar minha insignificância diante da mecânica do mundo... Melhor do que a inutilidade de uma tarde perdida tentando achar o significado para toda a encenação do mundo e para minha angústia diante de tudo isso...
Para completar, sinto que estou caindo na velha armadilha... Eu vi em algum lugar, não me lembro onde: Paixão dá e passa... Dá e passa... Eu completaria: Paixão dá e passa... Ao persistirem os sintomas procure um poeta... Paixão pode virar amor. Previna-se.

[...]

Fragmentos... Foi nisso que minha vida se tornou... Um pedaço de qualquer coisa pra viver, pra sorrir, pra chorar...

[...]

“...Sobre a dor das palavras e outras lágrimas....” – O título de um poema que não escrevi...

[...]


Renúncia

Eu, poeta, numa idade incerta, morada dos pássaros, dispondo de todas as minhas faculdades físicas e mentais renuncio ao amor e todos os benefícios que dele pode advir. Renuncio também a qualquer expectativa de felicidade constante, assim como de sonhos e planos.
De hoje em diante, viverei de versos simples sobre o cotidiano, inquietações puramente lógicas e realistas sobre a situação do mundo ou do homem e na falta de assunto, não me darei ao trabalho de escrever.
Não alimentarei amizades de qualquer tipo, tampouco as expectativas que alguém possa ter a meu respeito. Ainda serei imensamente sincero, e portanto, leal com qualquer um que ainda mereça minha consideração...

[...]

Alívio ou Aceitação

Meu querido amigo,

É noite sem lua e acabei de tomar um caldo para tentar me livrar da ressaca que adveio das emoções de ontem. Mas resumindo tudo, não foi bêbado que fiquei, mas em êxtase.
Todo o peso do mundo desafogou dos meus ombros e ficou na porta azul, única testemunha de todos os meus incontáveis segredos, desabafados aos sussurros. “Eu te amo...”
[...]

Por mais que tentasse lhe resumir por tudo que tenho passado nos últimos tempos, nada fazia sentido o suficiente ou era fiel aos acontecimentos. O tempo é de mudanças, meu caro... velhos estabelecimentos fecharam, nossos amigos não são mais bem vindos na cachaçaria, fui demitido do emprego que quase me corrompia, a revolução engrenou...
E os sinais das mudanças estão por toda a parte: nos livros que comecei a ler, nas histórias que ressuscitei, na mala suja de poeira, no corpo da minha menina entrelaçado ao meu, nos poemas novos...
Mudança tem cheiro de café ao amanhecer...

Quanto a trago, bom, aceito um vinho, aceito as velhas poesias invocando nossos mestres, aceito teu violão cantando nossas paixões... mas permita-me recusar o trago... deixei esse vício para trás, assim como deixei tudo que me pesasse o ombro, como aquela roupa de festa, que detesto vestir... arggg... rsrsrsrsrsrrsrsr

Saudades...

Desconexo.