quinta-feira, 29 de julho de 2010

Um tal Desconexo





É madrugada nessa terra vazia onde nem a chuva sabe se cai ou não. Há tempos venho pensando em lhe escrever, mas quase sempre o arranjo das palavras não me permitia passar do primeiro parágrafo. Sinto saudades de escrever, mas não sei mais como fazer. Sinto saudades de amar, mas não sei mais como sentir. Tenho saudade de mim, mas não sei mais quem sou.

Tenho me sentido um estranho no ninho por quase todos os cantos que vago. Nenhum canto mais, reconheço como meu. Nenhum caderno tem aquela caligrafia desajeitada que denominava minha. Não há cheiro no travesseiro ou lençol, então nem eu, nem ninguém tem deitado por ali. Nem meus amigos tenho os reconhecido, como meus amigos, e é por isso que todo fim de tarde sou invadido por uma saudade súbita de um Poeta que mesmo distante, me compreendia. Sinceramente, não sei se é mais saudades suas, ou saudades de mim mesmo.
Confesso que tua ultima carta me encheu de esperança, pelo menos um de nós havia encontrado a felicidade, afinal. Mas esperança foi se esvaindo aos poucos com esparsas notícias que tinha a seu respeito.
Quanto a mim, me sinto tão perdido entre passado e presente, quem nem em sonho tenho vislumbrado qualquer futuro. Quando olho para o passado penso no Desconexo como um Poeta sonhador, apaixonado, revolucionário. Aquele que não tinha medo de amar e entregar-se a esse amor. Que não tinha medo de sonhar e lutar com todas as armas para que aquele sonho se tornasse realidade. Que construía com palavras e gestos, todos os dias, um mundo melhor. Aquele que se arriscava na linha de frente, de peito aberto, amando cada vez mais, segundo a segundo.
O presente me mostra um Desconexo cético, perdido, quase conformado. Hoje sou uma sombra de mim mesmo. Um medroso contido, que prefere ficar em casa, dormir durante todo o dia e esperar a morte chegar. Um tal que nem mais sonha com medo de se decepcionar, que não se arrisca e que por isso não tem mais nada do que se glorificar. Não há uma só coisa de pé. Um só galho no qual eu possa me agarrar. Não há amor, meu caro, então me responda: como pode um homem, ainda viver, sem amor?

Na incessante busca por mim mesmo acabei cedendo a torturante vontade de reler cartas antigas. Eu precisava de respostas, afinal não há mulher nenhuma que me interesse por mais de uma noite. E existe um segredo, que guardo a sete chaves, que jamais será nominado por amor porque no final das contas não há amor algum, apenas minha mente me pregando peças. Com eu disse eu precisava de respostas e deuses... foram duas criaturas que se amaram tanto...
Ler essas cartas antigas é como ler uma história de amor de duas criaturas iluminadas, que tiveram a sorte de se encontrar e se amarem incondicionalmente, mas no fim das contas é apenas uma história que volta para o armário. Então ali, pegando poeira, entre uma infinidade de histórias inventadas está o seu amigo, sim, o Desconexo. O pseudo-poeta revolucionário e apaixonado que amanhecia o dia escrevendo ao som de “Samba e amor” do Chico Buarque, ou que simplesmente se rendia ao chamado da mulher amada e se aconchegava entre suas pernas enquanto o mundo desabava do lado de fora . Aquele ser que não vivia um dia de cada vez, mas sorvia todos de uma vez, num suspiro só.
Veja bem, sou agora apenas uma história que jaz empoeirada na ultima estante. E agora mesmo há um camarada que veste seu terno e me olha como se lembrasse de algo, penso por meio segundo que ele se lembrou de mim, de me levar no bolso, mas não, ele lembra de levar um manual, um desses livros enormes que não dizem nada. Aquele senhor tem o meu rosto, tem até o meu sorriso torto, mas os olhos meu caro, estão tão vazios que qualquer um que mergulhar ali nada encontrará.
E depois que ele desliga a luz e bate a porta sobra o velho poeta empoeirado na estante, escrevendo para um amigo distante, vislumbrando uma fresta de esperança. Sim, é uma fresta de esperança que se espreita pela janela trazendo cheiro de café, terra molhada, tinteiro e folhas amontoadas.

Há sempre um vinho nos esperando, numa estante empoeirada.

Do seu saudoso amigo ainda Desconexo.

2 comentários:

  1. a leitura de cartas antigas, o reviver das sensações trazidas por sentimentos passados e principalmente a sensação de vazio que estes deixam, tudo isso traz uma dor que nos faz muitas vezes acreditar na impossibilidade de descrevê-la.

    não sei se ando me buscando em certas palavras, em certos desabafos, em certas vivências, tudo o que sei foi que a carta que fala deste tal desconexo, daquele que amou e se doou a este sentimento com tudo o que tinha, me fez sentir bastante, ou mesmo "resentir", se é que esta palavra de fato comunique esta sensação.

    um abraço,

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  2. Que liiiindo! vc sabe exatamente como se expressar através de palavras. Eu o invejo tanto por causa disso :( mas acredite, é uma inveja sadia. Adoro ler seus textos, me identifico muito com eles.
    Também me sinto perdida entre o passado e o presente, sem esperança alguma pro futuro. Não sei como pode um ser humano ainda viver sem amor...
    Enfim, abraços

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