quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O baú dela.

Amigo Desconexo, agora quem deve desculpas sou eu, não? Mas tenho mil motivos por não te ter escrito antes, já que te cobrei rapidez por aquelas escadas da vida.
Devo anunciar-te, antes de qualquer coisa, que aquela nuvem fria, que me roubava palavras e poemas, já se foi e levou com ela um pedaço da escuridão que me fazia esquecer o melhor em mim.
É, e tu tens tanta razão que não sabes o tamanho. O cheiro ruim permanece, mas agora, entre ele, sinto os melhores cheiros: de amor que sai dos casais que dividem a praça comigo, enquanto eu escrevo sob a sombra daquela grande árvore antiga; o cheiro de poesia, de poema vibrante; hoje eu pude enxergar notas musicais e ver felicidade e esperança nos olhos dos que passavam por mim.
Quando passei pela barbearia, o meu amigo Barbeiro veio de lá sorrindo, como se já soubesse o que acontecera, tocou meus ombros e disse que se eu olhasse pro céu, acharia a minha poesia brincando entre o vento e pediu que eu não esquecesse o mar, mas que o deixasse guardado.
A imagem daquele mar não saiu da minha cabeça. Cheguei em casa e resolvi abrir o baú que me amedrontava. Aquele baú onde eu guardei tudo que me remetia àquela mulher (o Meu poema, que de tão perfeito, é parnasiano), por puro medo de ter que encontrá-la, sorrindo linda e descontraída para mim pelos cantos da casa. É, ela é a mulher que disse que as minhas metáforas são maiores e mais fortes que o meu sentimento por ela. Ela não sabe, amigo, mas o que eu escrevo é só metade do que eu sinto. Metade? Não sei se chega a tanto. Quem me dera poder escrever algo mais forte ou com a mesma intensidade, certamente todos se encantariam por cada palavra e estas conquistariam o mundo.
E eu te pergunto: por que o tempo não nos deixa cuidar de nossas questões sozinhos? Que mania de meter o bedelho onde não deve, nos fazendo de fantoches em um leve-e-traz sem fim!
Ela foi embora, mas os móveis dela continuam intactos aqui dentro, os espaços dedicados a ela são tão grandes que não caibo em mim; piso delicado e cuidadosamente em cada canto da pequena casa para que eu não derrube qualquer coisa que ela tenha deixado. Algumas outras vieram e tentaram usar as coisas que eram dela e não duraram muito na minha humilde morada.
Assim são as mulheres, amigo, se elas viessem, como veio o meu melhor poema, apoiando-se apenas nele mesmo, sem procurar inspiração nos que já estavam feitos e terminados, elas conseguiriam também ser poema de amor. Mas que mania terrível elas têm em querer usar malícia para ocupar espaço. Os meus vazios, que já são mínimos, não são ocupados assim.
É, as mulheres precisam sim, muito, serem contrariadas! Mas agora eu te pergunto, amigo Poeta: onde achar coragem e ousadia para contrariar seres dos quais somos dependentes? Quando elas vêm, o corpo, a mente e todo o resto se enchem de SIM, um sim que possui força e pulsa dentro do peito. Principalmente quando se trata de poetas como nós, que querem viver, amar e se sofrer fizer parte, ótimo, porque sofrimento vira poema e dos mais lindos e bem escritos, no final vira música.
A única coisa que eu desejo agora, amigo, é me permitir sofrer por alguém que não me quer, por falta de reciprocidade. Eu quero me possibilitar conhecimento da minha própria dor, saber que isso também é válido, que eu sou a prova viva da tua teoria do ter e gostar. Por tudo isso, eu abstenho o resto porque até a dor que ela causa vale a pena.
É, vou me despedindo por aqui e te afirmo: jamais perderei a ternura, essa que amigos, como tu, me ajudam a manter.
Eu senti a frieza do teu papel, agora tu poderias me perdoar pelos pingos de vinho que molham esse em que te escrevo. Perdão, poeta, e me prometes que irás aparecer por esses dias para que possamos dividir mais alguns cigarros e recitar mais alguns escritos dos mestres, para sustentar vícios? Ficarei aguardando.


Abraços de um Poeta leve, orgulhoso, razoável, ébrio, nímio, amistoso.

Um comentário:

  1. Gostei muito mesmo da proposta do blog! Particularmente amo cartas. Ainda me parecem um dos meios mais sinceros de se expressar o que sentimos! ^^ Parabéns!

    Natasha

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