sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Entre a sordidez e a insignificância


Caríssimo amigo Poeta,

Muito feliz fiquei em receber tão prontamente uma resposta as minhas divagações, mas como vê sou mais alheio ao tempo e prazos do que você, amigo. Mas perdoe-me, pois muitas das vezes tenho muitas coisas pra fazer e perco um tempo precioso tentando decidir a prioridade das coisas para, no fim, acabar confundindo prioridades e nem sempre fazer primeiro o que quero, ou precisa ser feito. Outras vezes decido que posso esperar um pouco mais para fazer o que tem que ser feito, me iludo por breves e deliciosos minutos que posso tranqüilamente deitar em minha rede, e vê as crianças brincarem despreocupadas, sentir aquele cheiro bom de comida quase pronta, fazer despretensiosos poemas com alguma peculiaridade da paisagem ao redor.
Uma ilusão que tem o seu preço, pois logo percebo que nada pode esperar, nem mesmo aquela comida, que já estava para ficar pronta, escapa dos apressados beliscões. É a inquietude do mundo, a pressa, o imediatismo, que nos envolve e nos angustia, veja que fria é a textura desse papel?

Inquieto fiquei eu em saber, que até o Poeta parece que foi envolvido por essa nuvem negra do prenúncio do fim. Em preto e branco, foi assim que li a as tuas palavras, senti falta de versos a colorir as nossas casinhas na serra, nossos sonhos por dias melhores, nossa luta por vida mais digna. Em preto e branco vi, e quase toquei, o teu esplendoroso sonho de nosso futuro tão aguardado, e fiquei a imaginar o que era mais lindo, teu sonho, ou tua maneira peculiar de descrevê-lo.

Ontem um velho, a quem quase ninguém ouve ou dá importância, me espreitava enquanto eu tecia um ácido comentário acerca de trabalhos maus feitos por meus companheiros, eu o surpreendi, e diante do brilho profundo de seus olhos castanhos, não sei quem ficou mais envergonhado, eu por ser surpreendido em minha sordidez, ou ele, em sua insignificância. Ele foi o primeiro a baixar a cabeça e dizer: “Há que endurecer-se sem jamais perder-se a ternura”. E, triunfante, a vergonha adentrou ao quarto de minha vida, e aquele grande homem se foi sem que eu tivesse tempo de me ajoelhar diante dele e pedir perdão por mim, e por todo o mundo.
Então, meu amigo, fica essa lição para nós: “Há que endurecer-se sem jamais perder-se a ternura”. Vou me lembrar de acreditar nos sonhos como prioridade e realidade, e esperar para que você leia e apreenda suas próprias palavras, de vez em quando. E então o poeta não perderá a ternura, nem as cores que o acompanham, não se deixará impregnar pelo cheiro das ruas que inevitavelmente tem que passar, porque traz consigo aquele cheiro bom de café e poesia, o cheiro colorido da frescura do amor, o brilho teimoso do cheiro das insinuações inocentes, a melodia cheirosa das notas do antigo violão, traz poema.

Por falar em poema, meu poema de amor continua na gaveta, poema. Egoísta, você tem razão, ele aguarda o momento de mais uma vez ser preenchido por minhas palavras. E eu aguardo mais ansiosamente ainda, o momento de pintar cada letra, como se fossem detalhes muito essenciais de um importante retrato, o retrato de nossas vidas. Egoísta e mimado, eis as palavras que me fazem poeta.

E agora fiquei a pensar, será que os poemas, como as mulheres, não precisam de vez em quando serem contrariados, para temerem por si mesmo e acabarem por dar o melhor de si?
Que a ventania que assola essas bandas leve tua rigidez, e me traga teus suaves poemas, que irão ter cor de terra molhada.

Meus mais sinceros votos de doses freqüentes de felicidade e inspiração,

Desconexo.

Um comentário:

  1. De tempos em tempos eu me pergunto se essa ternura não já está perdida. Se essa pressa não faz com que todos nós percamos o aroma de poesia que exala de cada coisa ao nosso redor. Parece essa minha sina: endurecer para lutar, lutar para que a ternura não se perca...

    Belíssimo, Desconexo!

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